11 de ago. de 2008

OLHOSDEVIDROS (OU O INCRÍVEL ENGOLIDOR DE ESPADAS!)



começava o dia cedo para o velho engolidor de espadas. pela manhã apresentava-se mais uma vez cansado dentro da garrafa que o ajudante-palhaço segurava com a mão esquerda. realmente era bom nisso. engolia a espada um pouco menor que o próprio tamanho. talvez a medida de um dedo? o público aplaudindo impaciente ou incomodado? e esperando e esperando e esperando as piadas acabarem. sim, é mesmo, enquanto o homenzinho-dentro-da-garrafa engolia lenta e corajosamente a fria lâmina, o assistente cantava piadas tristes e prósperas e, jogando a garrafa para o alto o céu abaulado e verdevidro, batia palmas sorrindo dentes violáceobrancos. gengivasazuis. realmente era bom nisso. talvez a plateia soubesse-lhe o segredo. realmente eram bons nisso. grand finale era o número de equilibrismo, claro. palhaço-ajudante sem os olhos-de-vidros de ponta-cabeça com uma única mão-tronco plantado no chão, equilibrando a garrafa no outro galho o céu abaulado e verdevidro: o velho homenzinho-sem-as-mãos equilibrava-se sobre a espada-lenta e ia destecendo o fio da lâmina. realmente era bom nisso. ninguém notou-lhe a lágrima no rosto : eles vão descobrir o segredo! aplaudiram incompreensíveis. foram embora sem perceber sequer que o homenzinho-velho-dentro-da-garrafa tinha os pulsos cortado com uma espada.

OLHOSDEVIDROS (OU O PALHAÇO QUE TEVE AS PERNAS CERRADAS PELO MÁGICO)


quando percebeu o fundo da garrafa todo-vermelho, o ajudantepalhaço empalideceu. sorriso-triste-de-quem-compreendeu-tudo sorriu por um leve instante. embaraçado com a atitude do grão-mestre-homenzinho-velho, largou-lhe a garrafa no meio da praça. saiu cambalhotas seguidas de saltos-mortais. tomou o trem.



DOISANOS


a garrafa continua lá no mesmo lugar, o sangue ainda não coagulou. mudou de cor apenas. tons vítreos. o ajudante-palhaço, agora um célebre domador-de-feras, deixou correr dos olhos-de-vidros de emoção umas lágrimas. a sensação da lágrima é linda. lubrifica-me. purifica-me. lembrou os espetáculos na praça. orgulho de apresentar-me com o grão-mestre-homemzinho-velho. mas não podia mais viver nessa realidade. sentimento sem sentido! nunca compreendera o porquê do suicida. quem entenderia? todos. sabiam o segredo. agora morava numa casa de espelhos com a mulherbarbada. retinas azuis. a menina-dos-olhos ampliada no espelho grande da sala. não tive dificuldades em apreender a linguagem-das-feras. subjugou-as a comandos de olhares! realmente era bom nisso. mas ainda só sabia cantar piadas tristes e prósperas. num acidenteum descuido premeditado? uma leoa parida comeu-lhe as duas mãos. com um olhar de dor fulminou a leoa e os filhotes. morreram todos na semana passada. não tenho uma história para contar.